A Associação para a Prevenção da Tortura (APT) reuniu profissionais de diversos segmentos que atuam na custódia em Mato Grosso, Brasil, para discutir estratégias e formas de fortalecer a prevenção da tortura nas audiências de custódia.

Numa colaboração com Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJMT) e com o apoio do Programa Fazendo Justiça (CNJ/PNUD), o workshop organizado pela APT reuniu magistrados, médicos legistas, psicólogos, assistentes sociais e servidores do TJ do Mato Grosso.

O Workshop “Enfrentamento à tortura nas audiências de custódia: aspectos práticos para a prevenção, identificação e documentação” contou com a participação de 58 inscritos, e foi organizado em parceria com a Escola Superior da Magistratura de Mato Grosso (ESMAGIS MT). Magistradas dos estados do Acre e Roraima também participaram do curso.

“É a primeira vez que conseguimos reunir um grupo tão diverso e multidisciplinar para abordar a prevenção da tortura nas audiências de custódia”, afirmou Sylvia Dias, Assessora Jurídica Sênior e Representante da APT no Brasil.

O Presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Joel Hernández García, foi convidado para proferir a palestra inaugural:

“Geralmente, como presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, me dirijo a muitos atores do governo, do Poder Executivo, do Ministério das Relações Exteriores, mas poucas vezes temos essa oportunidade de nos dirigir aos operadores da Justiça, nesse caso, os juízes.”, disse Joel Hernandez.

“Vocês são as pessoas competentes para aplicar a lei. Está em suas mãos, a guarda, a custódia dos direitos humanos”, ressaltou.

Ao longo do curso, foram debatidas as formas de documentação dos relatos de tortura nas audiências de custódia, a importância dos encaminhamentos posteriores à audiência e a necessidade de se fortalecer o diálogo interinstitucional para o estabelecimento de fluxos e protocolos, inclusive para a elaboração dos laudos do exame de corpo de delito.

No debate também se ressaltou o papel fundamental dos magistrados no enfrentamento à tortura, diante da cultura da violência que ainda predomina na sociedade brasileira, e que as autoridades judiciais devem estar familiarizadas com as técnicas de coletas de informações, considerando as vulnerabilidades da pessoa submetida a violência.

Também foram discutidas questões específicas referentes à abordagem de gênero na detecção de tortura e maus-tratos e a quais indícios de violência física ou psicólogica se deve estar atento quando a pessoa custodiada for uma mulher ou uma pessoa pertencente à população LGBTQI+. Os participantes foram instados a refletir sobre as formas de violência a que a população LGBTQI+ está particularmente exposta.

Assista aqui o vídeo com algumas das principais mensagens abordadas no workshop. 

Lançamento do Manual de Prevenção à Tortura nas Audiências de Custódia

Um novo manual foi elaborado para apoiar os juízes no Brasil sobre como identificar, documentar e determinar providências de apuração de indícios de tortura e maus-tratos relatados nas audiências de custódia.

A APT colaborou, ao longo do último ano, prestando assessoria e revisão técnica à elaboração do Manual de Prevenção e Combate à Tortura e Maus Tratos para Audiência de Custódia, desenvolvido pelo CNJ e Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) A colaboração se deu no âmbito do Termo de Cooperação Técnica firmado entre a APT e o CNJ.

O manual se debruça sobre as audiências de custódia como um momento privilegiado para a detecção de agressões físicas e psicológicas ocorridas desde o momento inicial da abordagem policial até a chegada à sala de audiências, incluindo-se a passagem por viaturas e carceragens.

Neste sentido, o Manual propõe diretrizes, a partir da observação da experiência concreta dos tribunais, e identifica práticas promissoras, para orientar os juízes e outros atores do sistema de justiça criminal para a coleta de indícios de tortura e maus-tratos.

Por exemplo, o Manual enfatiza a importância de os magistrados criarem um ambiente de empatia e escuta atenta da pessoa custodiada, através de uma linguagem acessível.

Na abertura da audiência, é preciso que o juiz explique que um dos objetivos da mesma é saber se houve quaisquer tipos de maus-tratos ou tortura desde abordagem policial até a audiência.

O magistrado também precisa indagar se o custodiado teve acesso às garantias do devido processo legal, como o contato com a família, à conversa privada com a defesa, atendimento médico, bem como informar-lhe sobre seu direito ao silêncio.

O Manual traz ainda um roteiro de perguntas a serem feitas pelo magistrado para que se verifique não somente se houve ou não maus-tratos e tortura, mas como ocorreram, onde, quando, por que razão, e todos os fatos relevantes relacionados àquela ocorrência.

No prefácio do Manual, Barbara Bernath, Secretária Geral da APT e Juan Mendez, Ex-Relator Especial da ONU sobre Tortura e Membro do Conselho Diretivo da APT, ressaltam que há exatos 20 anos o então Relator Especial da ONU sobre Tortura, Nigel Rodley, após uma visita ao Brasil fez um chamado contundente ao Poder Judiciário brasileiro, instando as autoridades judiciárias a se tornarem tão sensíveis à necessidade de proteger os direitos das pessoas flagranteadas quanto o são a respeito da necessidade de reprimir a criminalidade.

“Acreditamos que esta publicação promoverá mudanças, tanto de mentalidades como de práticas, e contribuirá para que o Judiciário brasileiro trilhe este caminho. E, reafirmamos aqui nosso compromisso de colaborar com os operadores do sistema de justiça para tal fim.”, afirmam Barbara Bernath e Juan Mendez.

Assista o evento de lançamento do Manual:

https://www.youtube.com/watch?v=XRqP1nOKXuY

Faça o download do Manual:

https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/11/manual_de_tortura-web.pdf

News Wednesday, December 9, 2020