Uma nova pesquisa lançada pela plataforma Observa Custódia revela uma tendência preocupante: 74% dos juízos mapeados não estão cumprindo a determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) de realizar audiências de custódia presenciais como regra. Divulgada em 12 de novembro de 2024, a pesquisa abrange 174 juízos  e expõe problemas sistêmicos que enfraquecem os direitos das pessoas privadas de liberdade e sua capacidade de relatar abusos.

A decisão do STF de outubro de 2023 estipulou que as audiências de custódia devem ocorrer de forma presencial, sendo as audiências remotas permitidas apenas em casos excepcionais. No entanto, apenas 26% dos juízos  pesquisados seguem essa determinação, evidenciando um preocupante desrespeito aos direitos das pessoas custodiadas.

Os novos dados foram lançados durante uma reunião do Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (Condege) – um parceiro fundamental neste projeto. A APT teve a oportunidade de apresentar os resultados aos representantes das 27 Defensorias Públicas do país.

“Todos os dados compilados no painel são fornecidos por defensoras e defensores públicos que alimentam as informações por meio do formulário da pesquisa. A parceria com o Condege é inestimável, permitindo uma ponte com defensoras e defensores públicos em diferentes cantos do país”, afirma Sylvia Dias, assessora sênior da Associação para a Prevenção da Tortura no Brasil.

O painel também mostra que, em 70% das unidades de audiência de custódia, as pessoas custodiadas participam das audiências virtuais a partir de instalações prisionais ou delegacias de polícia, e que, em 48% das comarcas, as pessoas custodiadas são apresentadas com uniformes prisionais, o que pode contribuir para a estigmatização e viola a presunção de inocência.

"Esses achados revelam tendências preocupantes que comprometem as salvaguardas processuais e a qualidade das interações das pessoas custodiadas com as autoridades judiciais," afirma Sylvia Dias. "As audiências remotas inibem denúncias de abusos e frequentemente limitam o contato privado entre as pessoas custodiadas e suas defesas. Realizar audiências em ambientes policiais ou prisionais prejudica a capacidade de relatar possíveis abusos."

Aqui estão alguns dos principais achados da pesquisa do Observa Custódia:

1. Tempo Entre Prisão e Audiência

Um dado positivo revela que, em 60% dos juízos pesquisados, a pessoa custodiada é apresentada perante um juiz dentro de 24 horas após a prisão, conforme exigido pela legislação brasileira. E, em outros 36% , a apresentação ocorre dentro de 48 horas. O acesso rápido às audiências é essencial para garantir os direitos das pessoas custodiadas, em conformidade com o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

2. Presença da Pessoa Custodiada Durante as Audiências

Em quatro comarcas, incluindo duas capitais estaduais, as pessoas custodiadas nunca estão presentes durante toda a audiência de custódia. Essa restrição representa uma violação grave dos direitos das pessoas, impedindo-as de participar plenamente do processo judicial.

3. Acesso de familiares à audiência

Os novos dados também mostram que, em 54% dos tribunais pesquisados, os familiares não estão autorizados a assistir as audiências de custódia.

 4. Avaliações Médicas

O acesso a atendimento médico  antes das audiências são inconsistentes entre as regiões, sendo o Norte a região com a maior taxa de não conformidade (7,8%). Exames médicos adequados são cruciais para detectar abusos ou maus-tratos.

5. Exames Periciais

Exames periciais ad cautelam não são realizados de forma consistente em várias regiões. A pesquisa destaca uma lacuna especialmente nas regiões Sul e Sudeste, onde 35,2% e 29,8% das comarcas, respectivamente, não realizam avaliações periciais, deixando importantes proteções sem cumprimento.

Os dados do Observa Custódia revelam uma necessidade urgente de reforçar as proteções dentro do sistema judicial brasileiro. Com quase 10 anos desde a implementação das audiências de custódia, a pesquisa convoca os envolvidos a reafirmarem seu  compromisso com as audiências presenciais e todas as salvaguardas fundamentais que devem ser garantidas para as pessoas sob custódia policial.

Mais

Os dados de 2024 foram objeto de matéria (acesse o artigo no link ) e de editorial na Folha de São Paulo (O que a Folha pensa: Tribunais subvertem decisão sobre audiência de custódia - leia aqui)

Sobre a Observa Custódia

O desenvolvimento da Observa Custódia conta com o apoio do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Conectas Direitos Humanos, Asa Branca Criminologia, Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP), Instituto Pro Bono, Instituto de Estudos da Religião (Iser), Justiça Global, Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência, Rede Justiça Criminal, Núcleo Especializado da Situação Carcerário da Defensoria Pública do Estado de São Paulo e Núcleo de Audiências de Custódia Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. A coleta de dados é realizada em parceria com o Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Condege), por meio da contribuição de defensoras e defensores públicos que atuam nas audiências de custódia em diversas localidades de todo o Brasil.

News Monday, November 18, 2024

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