A par de mecanismos de prevenção da tortura, ONGs, e académicos, a APT está a lançar as bases para uma estratégia nacional que oferecerá maior protecção às pessoas LGBTI privadas da sua liberdade no Brasil.
O sistema prisional brasileiro tem a terceira maior população do mundo e é arruinado por condições desumanas e abusos de direitos. As vítimas frequentemente despercebidas são lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersex (LGBTI), que estão particularmente em risco quando detidas.
Foram emitidas no Brasil directrizes específicas sobre as condições de detenção de pessoas LGBTI. Estas abordam questões tais como visitas íntimas, cuidados de saúde ou terapia hormonal. A implementação, no entanto, é rara. As pessoas LGBTI continuam a ser discriminadas fora dos locais de detenção. Isto significa que enfrentam um maior escrutínio pela polícia brasileira, aumentando a sua probabilidade de serem detidos; uma vez que isto ocorre, enfrentam um maior risco de abuso, maus-tratos ou tortura.
Since 2017, the APT has prioritised raising awareness of LGBTI persons’ vulnerability in the country. Ensuring that monitoring bodies are equipped with the right knowledge and tools to prevent torture and abuse of LGBTI person in practice is key.
Ao abrigo do Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura, os organismos de prevenção da tortura, conhecidos como Mecanismos Nacionais de Prevenção (MNE), têm o poder de realizar inspecções nos locais de detenção. Na sequência destas inspecções, podem fazer recomendações com base em quaisquer observações feitas.
"Em última análise, este ramo do nosso trabalho no Brasil tem a ver com garantir a protecção de pessoas LGBTI, na realidade, ocorre nos locais de detenção", disse Jean-Sébastien Blanc, o Director de Programas Temáticos da APT. "Trabalhar com mecanismos preventivos pode ajudar-nos a fazê-lo, uma vez que estão melhor colocados para abrir portas nos locais de detenção e promover mudanças onde elas são necessárias".
Num workshop recente, representantes do Mecanismo Preventivo Nacional do Brasil, quatro Mecanismos Preventivos Locais (de Pernambuco, Rondónia, Paraíba e Rio de Janeiro), ONGs e académicos especializados em questões LGBTI, reuniram-se para desenvolver estratégias que possam ajudar a alcançar estes objectivos. A Embaixada dos Países Baixos no Brasil e o Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Commonwealth do Reino Unido apoiaram o seminário de dois dias.
"Juntos investigámos as necessidades específicas das pessoas LGBTI detidas, discutimos os desafios enfrentados na sua protecção e analisámos as boas práticas de monitorização", explicou Sylvia Dias, Representante Nacional da APT no Brasil. "Estes eventos são fundamentais para construir o conhecimento dos que trabalham na prevenção da tortura, particularmente quando se trata de grupos vulneráveis".
O workshop incluiu visitas a instalações de detenção, uma prisão e um centro de detenção de raparigas, para estabelecer a ligação com os que estão no centro da questão, os detidos, e para pôr em prática os ensinamentos dos dois dias. Os participantes também participaram numa entrevista com um juiz que preside às audiências de detenção. A APT está a levar a cabo um projecto paralelo no Brasil que está a reforçar a capacidade dos juízes para utilizarem estas audiências como uma oportunidade para detectar ou abordar sinais de possível tortura. A entrevista centrou-se na forma como os juízes abordam os riscos que as pessoas LGBTI enfrentam nas primeiras horas de detenção. O juiz em questão levantou a preocupação de que, dadas as complexidades do assunto, muitos juízes enfrentam dúvidas quando em tais situações e assinalou a necessidade de orientações do sistema judicial, formação de capacidades e sensibilização em torno dos maus-tratos a estas pessoas.
O seminário reuniu representantes dos 5 mecanismos de prevenção nacionais e locais do país, bem como de organizações de direitos LGBTI, e instituições estatais, tais como o Gabinete de Defesa Pública.
Um investigador que lidera o primeiro relatório nacional do Brasil sobre pessoas LGBTI privadas de liberdade apresentou algumas das conclusões preliminares e a metodologia aplicada durante entrevistas em diferentes estados do Brasil. O relatório, que deverá ser publicado ainda este ano, será a primeira tentativa de fornecer dados sobre o número de pessoas LGBTI privadas de liberdade, as suas condições de detenção e as suas principais queixas e necessidades. O relatório é uma resposta às preocupações em torno destas questões levantadas pelo Relator Especial sobre a Tortura após a sua visita ao país em 2015. A APT pretende apoiar a divulgação deste relatório e acredita que é um passo fundamental para aumentar a visibilidade das pessoas LGBTI privadas de liberdade e permitir o desenvolvimento de políticas públicas adequadas.
Luz do workshop, os próximos passos incluem a formação de um plano de acção e de um grupo de trabalho para desenvolver uma estratégia de acordo com o Sistema Nacional de Prevenção da Tortura do Brasil. Actualmente, contudo, o futuro do Mecanismo Nacional de Prevenção da Tortura do Brasil não está claro, na sequência de um Decreto Presidencial que desmantelou o organismo, limitando efectivamente a sua capacidade para desempenhar as suas funções. "A APT, juntamente com outras organizações, está a participar em acções judiciais para ver este Decreto suspenso, de modo a que o MPNM possa realizar o seu trabalho essencial", concluiu Dias. "Claro, e de forma vital, isso inclui o apoio à protecção de pessoas LGBTI e outros contra a tortura quando em detenção".