A APT se uniu a 66 organizações da sociedade civil para enviar apelo urgente à Comissão Interamericana de Direitos Humanos questionando resolução do CNJ que autoriza a realização de audiências de custódia no Brasil por videoconferência durante a pandemia da COVID-19.
O apelo urgente, encaminhado em 19 de janeiro de 2021 à CIDH, enfatiza que a realização de audiências por videoconferência restringe significativamente a capacidade de um magistrado de identificar se uma pessoa sofreu tortura ou violência no momento da abordagem policial ou nas primeiras horas de custódia.
Prevenir e documentar a tortura é um objetivo fundamental das audiências de custódia, afirmam as entidades signatárias no documento.
Um amplo grupo de entidades de todo o Brasil - incluindo Conectas Direitos Humanos, Pastoral Carcerária, ISER (Instituto de Estudos da Religião), IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), o Mecanismo Nacional para a Prevenção da Tortura e as Defensorias Públicas de São Paulo e Rio de Janeiro - co-assinou o apelo urgente.
Em 24 de novembro de 2020, o Conselho Nacional de Justiça (NCJ) aprovou uma emenda a uma resolução anteriormente emitida prevendo "a possibilidade de realizar audiências de custódia por videoconferência durante a pandemia". Anteriormente, o próprio CNJ havia expressamente proibido o uso da videoconferência para a realização das audiências de custódia durante a COVID-19.
Os co-signatários do apelo urgente criticaram também a falta de transparência e inclusão no processo de revisão da Resolução 329, pois a alteração ao artigo 19 foi elaborada e submetida à votação sem qualquer consulta às organizações da sociedade civil ou outras partes interessadas ou divulgação prévia.
O progresso para garantir os direitos fundamentais no Brasil será seriamente comprometido, advertem as organizações.
“As audiências de custódia, por serem instrumento destinado à prevenção e combate à tortura, e por ser esta sofrida majoritariamente por pessoas negras, funcionam também como política de promoção da equidade racial”, afirmam.
De acordo com levantamento realizado pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro entre 2017 e 2019, quase 80% das pessoas presas em flagrante eram negras, e aproximadamente 80% das agressões denunciadas em audiências de custódia tiveram como vítimas pessoas negras.
O apelo urgente enfatizou que é viável que os tribunais conduzam audiências de custódia presenciais durante a pandemia. De fato, os tribunais de nove estados do Brasil já adotaram protocolos de sanitários e ajustaram os procedimentos judiciais para permitir a apresentação presencial de uma pessoa custodiada perante um juiz, garantindo a segurança e a saúde de todos os envolvidos.
Algumas das medidas adotadas incluem: realizar audiências em salas de plenário do Tribunal do Juro, que costumam ser mais espaçosas, para permitir distanciamento físico e melhor ventilação; exigir o uso de máscaras e protetores faciais por todas as pessoas envolvidas; manter sempre o distanciamento de dois metros entre todas as pessoas; e realizar uma entrevista preliminar com as pessoas custodiadas para triagem dos sintomas da infecção pela COVID-19.
"Estas práticas já vêm sendo implementadas com sucesso em nove estados do Brasil, demonstrando que a realização de audiências de custódia presenciais é completamente viável", mencionam as entidades no documento.
"Desta forma, demonstra que é possível conciliar a saúde e a segurança de todas as pessoas envolvidas com o direito fundamental das pessoas custodiadas de serem levadas perante uma autoridade judicial no prazo de 24 horas após sua prisão".
Os co-signatários também salientaram no documento que os momentos imediatamente após a prisão de uma pessoa são os mais cruciais para se evitar a prática de tortura.
Em 2017, a APT realizou um Simpósio sobre Salvaguardas Processuais nas primeiras horas de prisão, que reuniu autoridades e especialistas de todo o mundo para discutir estratégias de combate à tortura neste momento chave.
Uma das recomendações-chave no relatório final do Simpósio se referia à necessidade da apresentação física de uma pessoa custodiada perante uma autoridade judicial como medida que pretende"retirar a pessoa custodiada do controle da autoridade que a detém o mais cedo possível”.
Leia aqui o apelo urgente.