O Comitê contra a Tortura da ONU (CAT) destacou quatro áreas prioritárias de preocupação durante sua revisão do relatório apresentado pelo Estado brasileiro: o tamanho da população carcerária, a brutalidade policial sistêmica contra as pessoas afrodescendentes, a adoção de meios virtuais para a realização de audiências de custódia e a necessidade de fortalecer o sistema nacional de prevenção à tortura.
Realizada em 20 de abril de 2023, essa foi a primeira revisão do Brasil em mais de vinte anos. A última vez que o Brasil esteve perante o CAT havia sido em 2001.
O Comitê questionou a delegação do Brasil sobre as medidas sendo tomadas atualmente para implementar o Sistema Nacional de Prevenção à Tortura e para garantir a coordenação e o funcionamento eficaz do sistema federal âmbito estadual.
Dezesseis anos após a ratificação da Protocolo Facultativo à Convenção da ONU contra a Tortura, mecanismos preventivos estaduais foram criados em apenas 4 das 27 unidades federativas – Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro e Rondônia.
O Brasil foi lembrado pelo Comitê de que a estrutura federal de um país não pode ser uma desculpa ou uma justificativa para exonerar o governo federal da obrigação de cumprir seus compromissos internacionais.
O CAT também reconheceu o importante trabalho do Mecanismo Nacional de Prevenção à Tortura, que enviou relatório paralelo à revisão e participou presencialmente da sessão.
Pretendemos fazer do Mecanismo Nacional de Prevenção da Tortura um modelo a ser implementado em todos os 27 estados da federação do Brasil (...). É nossa responsabilidade perante a comunidade internacional (...). É nossa responsabilidade perante o povo brasileiro.
Silvio Almeida, Ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Brasil
O Comitê expressou preocupação com o tamanho da população prisional no país - o Brasil hoje possui a terceira maior população carcerária do mundo. A delegação brasileira foi questionada sobre o aumento acentuado de mulheres presas, geralmente devido a delitos relacionados ao tráfico de drogas, e encorajada a revisar suas políticas e leis punitivas em relação às drogas.
As audiências de custódia - realizadas dentro de 24 horas após a prisão de uma pessoa – constituem uma salvaguarda fundamental para avaliar a legalidade da prisão, inibir a detenção arbitrária de liberdade e investigar indícios ou alegações de tortura.
No entanto, a pandemia da COVID-19 levou à suspensão das audiências de custódia presenciais no Brasil, com uma crescente dependência no formato digital por videoconferência. Em alguns casos, as pessoas custodiadas chegam a participar nas audiências de custódia virtuais conectadas da delegacia de polícia à qual foram levadas.
O Comitê enfatizou a importância de que se retomem as audiências de custódia presenciais em todo o país. Em resposta, as autoridades brasileiras concordaram que as audiências de custódia devem ser realizadas presencialmente para serem eficazes no combate à tortura.
Finalmente, o Comitê observou que as pessoas afrodescendentes são desproporcionalmente afetadas pela violência policial no Brasil e que o perfilamento racial é intrínseco ao policiamento e à aplicação da lei. O Brasil foi instado a implementar rapidamente medidas para mitigar o impacto desproporcional do sistema de justiça criminal na população jovem e negra do país.
"O racismo estrutural precisa ser eliminado para que sejam cumpridas as obrigações do Estado estipuladas na Convenção contra a Tortura", disse Maeda Naoko, perita do Comitê.
A APT participou na sessão de diálogo entre organizações da sociedade civil e membros do Comitê, juntamente com entidades parceiras nacionais e internacionais. Também apresentamos um relatório paralelo ao Comitê no qual delineamos nossas preocupações quanto ao funcionamento do Sistema Nacional de Prevenção à Tortura, à inobservância das salvaguardas nas primeiras horas de detenção e à grave expansão da jurisdição militar.
"Ficamos esperançosas com o compromissado expressado pelo governo brasileiro de adotar medidas para fomentar a implementação de mecanismos preventivos estaduais em todos os 27 estados e de trabalhar para que se retomem as audiências de custódia presenciais nas primeiras horas após a prisão", disse Sylvia Dias, Assessora Jurídica Sênior da APT e Representante Nacional no Brasil.
"A APT continuará a atuar no advocacy e proporcionar assistência técnica visando a garantir que o Brasil cumpra suas obrigações internacionais de direitos humanos."
O relato do Comitê sobre seu diálogo com o Brasil está disponível on-line, e as observações e recomendações finais sobre o relatório do Brasil serão publicadas nos próximos dias, ao final da sessão.