A APT e organizações parceiras do Brasil se manifestaram durante a 46ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU para chamar a atenção da comunidade internacional para os graves retrocessos nas políticas para prevenir a tortura e os maus-tratos no país.
Em uma declaração conjunta por vídeo, Conectas Direitos Humanos, Rede Justiça Criminal, Agenda Nacional pelo Desencarceramento e a APT manifestaram preocupação com as ações tomadas pelo governo brasileiro para desmantelar e cortar recursos do órgão de fiscalização nacional responsável pelo monitoramento dos locais de privação de liberdade.
Em junho de 2019, o Executivo Federal promulgou o Decreto nº 9.831 para desmantelar o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT). O Mecanismo Nacional é um órgão independente que foi estabelecido por lei após a ratificação pelo Brasil do Protocolo Facultativo à Convenção das Nações Unidas contra a Tortura. O MNPCT está vinculado administrativamente ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.
O Mecanismo Nacional desempenha um papel vital para proteger a dignidade e os direitos das pessoas privadas de liberdade, documentar as condições de detenção em relatórios públicos e fazer recomendações aos funcionários e instituições públicas para promover mudanças na lei, nas políticas e nas práticas.
Desde sua criação em 2015, o Mecanismo Nacional realizou missões em 20 estados do Brasil e monitorou mais de 170 locais de detenção, incluindo prisões, instituições psiquiátricas, comunidades terapêuticas, centros de cumprimento de medidas socioeducativas e hospitais de custódia.
Durante a pandemia, o trabalho dos mecanismos nacionais e estaduais de prevenção à tortura, como o MNPCT do Brasil, tornou-se ainda mais importante. Com a suspensão ou restrição das visitas de familiares às unidades prisionais e socioeducativas, as pessoas privadas de liberdade foram colocadas em situação de maior isolamento e abandono. Também se tornou ainda mais difícil acessar informações e dados sobre a situação nas prisões e outros espaços de privação de liberdade. Os mecanismos estaduais e nacionais de prevenção estão entre os poucos órgãos que continuaram a cumprir sua atrbuição de inspeção durante a COVID-19.
Dirigindo-se ao Conselho de Direitos Humanos, APT, Conectas Direitos Humanos, Rede Justiça Criminal e a Agenda Nacional pelo Desencarceramento, conclamaram o governo brasileiro "a respeitar o Protocolo Facultativo à Convenção da ONU contra a Tortura e a revogar o Decreto que debilita o o Sistema e o Mecanismo de Prevenção à Tortura".
As entidades também destacaram outros retrocessos que afetaram negativamente ferramentas eficazes para prevenir e visbilizar a tortura e maus-tratos, tais como audiências de custódia. Desde 2015, tais audiências vêm desempenhando um papel importante no combate à tortura no país. No entanto, com o agravamento da pandemia, o Conselho Nacional de Justiça autorizou, em novembro de 2020, que as audiências de custódia fossem realizadas por videoconferência. Desde então, em pelo menos dois estados do Brasil, as audiências de custódia têm sido conduzidas por videoconferência de dentro de uma delegacia de polícia, sem a presença de um advogado ou defensor público para representar a pessoa custodiada - uma prática que tem suscitado a preocupação da APT e de organizações da sociedade civil em todo o país.
Além disso, as organizações ressaltaram sua preocupação com a lei federal promulgada em 2017 que transferiu para a justiça militar a competência para investigar e processar violações de direitos humanos, tais como tortura e até homicídios, praticados por militares em operações de segurança pública.
A fala das entidades destacou que estas questões afetam desproporcionalmente os grupos mais vulneráveis da sociedade brasileira, especialmente os jovens negros, que são as principais vítimas do racismo e da violência institucional no país.
Lea aqui na íntegra o pronunciamento feito durante o Diálogo Interativo com o Relator Especial sobre tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
O vídeo da sessão está disponível aqui (pronunciamento lido a partir do minuto 1.28).