Quase 40% das pessoas assistidas pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro sofreram agressões físicas ou psicológicas ou ameaças durante as primeiras horas após a prisão, de acordo com um relatório compilando dois anos de coleta de dados.
Das 23.497 pessoas custodiadas entrevistadas pelos defensores e defensoras públicas previamente às audiências de custódia, no período entre setembro de 2017 e setembro de 2019, um total de 38,3% relatou ter sofrido alguma forma de abuso logo após sua prisão.
Entre as pessoas custodiadas que sofreram violência, mais de 80% delas eram negras ou pardas. Em 60% dos casos, o perpetrador era membro da Polícia Militar.
"As pessoas custodiadas naturalizam a violência que sofreram como uma 'normal' consequência de serem presas ou abordadas pela polícia, e isso precisa ser desconstruído”, disse Sylvia Dias, Representante Nacional da APT no Brasil e Assessora Jurídica Sênior.
Estas questões foram levantadas em um workshop organizado pela Defensoria Pública do Estado do Ceará, em colaboração com a APT, o Conselho Nacional de Justiça e a Defensoria Pública do Estado Rio de Janeiro.
Mais de 30 defensores públicos e defensoras públicas cearenses participaram do evento, durante o qual trocaram ideias e práticas sobre como aprimorar sua atuação para detectar e inibir a prática de tortura por meio das audiências de custódia.
"Como saiu das discussões do workshop, um dos papéis essenciais das defensorias públicas é o de conscientizar e informar aos seus assistidos e assistidas que a brutalidade policial de qualquer tipo é ilegal e não pode ser tolerada e que a mesma pode ser relatada diretamente a um juiz na audiência de custódia", enfatizou Sylvia Dias.
Leia como as denúncias de tortura caíram drasticamente em decorrência da suspensão das audiências de custódia no Brasil. por causa da COVID-19, e os esforços de incidência e mobilização das organizações da sociedade civil, incluindo a APT, para reafirmar a imprescindibilidade do comparecimento presencial como elemento essencial das audiências de custódia.
As audiências de custódia têm sido realizadas no Brasil desde 2015 com o objetivo de se analisar e determinar a legalidade da prisão de uma pessoa e decidir sobre a conversão em prisão preventiva.
As pessoas presas são conduzidas perante uma autoridade judiciária no prazo dentro de 24 horas após a prisão, e cabe aos juízes indagar sobre as circunstâncias de sua prisão e verificar qualquer indício de tortura física ou psicológica ou maus-tratos.
Os defensores e defensoras públicas devem entrevistar as pessoas custodiadas previamente à audiência, de maneira reservada, assegurando-se a confidencialidade dessa conversa, e perguntar sobre a ocorrência de violência ou abuso policial. Também devem ser tomada as devidas providências para documentar adequadamente qualquer indício de violência institucional.
No workshop, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro apresentou seu protocolo de prevenção e combate à tortura – que é seguido por todos os defensores e defensoras públicas do Estado – e que contém orientações sobre como entrevistar as pessoas custodiadas sobre alegações de tortura ou maus tratos e diretrizes para a coleta e sistematização das informações em um banco de dados da instituição.
"Além de adotar medidas de caráter individual, as defensorias públicas podem fazer uso dos dados e informações que coletam para identificar padrões de violência policial, os setores da população mais vulnerabilizados, e definir intervenções estratégicas que poderiam romper com os ciclos de violência institucional. Esta é uma dimensão preventiva fundamental das audiências de custódia". disse a Sra. Dias. "A reforma de leis, políticas públicas e procedimentos para evitar que a tortura aconteça é a melhor maneira de salvaguardar a segurança e a dignidade das pessoas mantidas sob custódia do Estado".
A APT espera que protocolos institucionais tal como o desenvolvido no Rio de Janeiro inspirem outras defensorias públicas em seus esforços para fortalecer as salvaguardas e conter a violência policial.
"A APT está empenhada em apoiar defensorias públicas em todo o país, incluindo a Defensoria Pública do Estado do Ceará, a desenvolver fluxos e protocolos institucionais que guiem sua atuação para um enfrentamento à tortura mais efetivo, sempre levando-se em conta a realidade local e os recursos à sua disposição", enfatizou Sylvia Dias.