Num primeiro comunicado conjunto emitido por mecanismos de prevenção à tortura, dezenove órgãos de prevenção à tortura da América Latina instam o governo do Brasil a revogar o decreto presidencial que retirou recursos do mecanismo nacional de prevenção à tortura inviabilizando o desempenho de suas atribuições, colocando em risco as vidas e os direitos das pessoas privadas de liberdade no país. A Associação para a Prevenção da Tortura (APT) adere a esta demanda.
Nesta iniciativa de grande importância, e inédita no mundo, dezenove mecanismos nacionais e estaduais de prevenção à tortura da América Latina adotam um posicionamento conjunto para demandar que sua instituição irmã no Brasil conte com os recursos necessários para levar a cabo suas atribuições.
O governo brasileiro promulgou decreto em junho passado que desmantelou o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura obstruindo a realização de visitas de inspeção e o monitoramento de unidades do sistema prisional do país – que é amplamente conhecido pelas recorrentes e graves violações de direitos humanos ali cometidas.
“Não podemos enfatizar o suficiente a importância de um mecanismo de prevenção à tortura em pleno funcionamento para a proteção dos direitos e da integridade física e psíquica das mais de 800.000 pessoas privadas de liberdade no Brasil, e como tal Decreto representa um grave e profundo retrocesso nas políticas de direitos humanos”, diz Sylvia Dias, representante da Associação para a Prevenção da Tortura no Brasil. “É por isso que apoiamos os mecanismos de prevenção à tortura que decidiram se pronunciar através deste comunicado.”
A íntegra do comunicado está disponível abaixo.
Os mecanismos nacionais e estaduais de prevenção à tortura da América Latina fazem um chamado urgente ao governo brasileiro a fim de que garanta os recursos e o adequado funcionamento do Mecanismo Nacional de Prevenção à Tortura
Os mecanismos nacionais de prevenção à tortura da América Latina subscritores declaram sua profunda preocupação com as medidas tomadas pelo Poder Executivo brasileiro com a promulgação do Decreto nº 9.831, de 10 de junho de 2019, que eliminou os cargos dos membros do Mecanismo Nacional Prevenção e Combate à Tortura, obstruindo seu funcionamento e o cumprimento de suas atribuições.
31 de outubro de 2019 - O Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), composto por 11 peritos e peritas, foi instituído pela Lei Federal nº 12.847, de 2013, com competência para monitorar as condições de detenção através de visitas sem aviso prévio a todos os lugares onde as pessoas estão privadas de sua liberdade - como presídios, delegacias e hospitais psiquiátricos – documentar violações em seus relatórios e apresentar recomendações às autoridades públicas, visando contribuir a mudanças estruturais, na lei, políticas e práticas, para reduzir os riscos de tortura e outros maus-tratos e fortalecer a proteção dos direitos das pessoas privadas de liberdade.
A criação do MNPCT resulta da obrigação internacional voluntariamente assumida pelo Estado brasileiro ao ratificar o Protocolo Facultativo à Convenção das Nações Unidas contra a Tortura em 2007. De acordo com este instrumento internacional, o Brasil se comprometeu a criar o MNPCT e fornecer os recursos materiais e humanos necessários ao desempenho de suas atribuições, garantindo sua autonomia funcional e operacional.
As pessoas privadas de liberdade estão em uma situação de vulnerabilidade específica e sujeitos a um maior risco de sofrer tortura e maus-tratos, que decorre tanto de sua própria condição de vida intramuros, como do controle total que o Estado exerce sobre o gozo de seus direitos. Portanto, os espaços de privação de liberdade devem ser espaços sujeitos a escrutínio e supervisão externa independente e rigorosa. Nesse sentido, os mecanismos nacionais e estaduais de prevenção à tortura desempenham um papel fundamental, ainda mais em um país como o Brasil que mantém a terceira maior população carcerária no mundo - com aproximadamente 812.000 pessoas presas - e onde prevalecem condições desumanas e degradantes de detenção, caracterizadas por grave superlotação e violência generalizada.
Desde que foi instituído em 2015, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura brasileiro realizou visitas de monitoramento a mais de 170 estabelecimentos de privação de liberdade, incluindo presídios, hospitais psiquiátricos, comunidades terapêuticas, centros de cumprimento de medidas socioeducativas e delegacias de polícia em 20 estados do Brasil, e emitiu cerca de 2.077 recomendações às autoridades públicas. Impedir o trabalho do MNPCT e privá-lo de seus recursos materiais e humanos, constitui um sério revés, que fragiliza uma política pública já implantada no país e impossibilita que o MNPCT continue cumprindo suas atribuições previstas tanto na legislação nacional como no tratado internacional. A medida tomada pelo governo brasileiro é inédita, não apenas na América Latina, mas em todo o mundo, e coloca o Brasil em falta com a comunidade internacional.
Nesse sentido, os mecanismos nacionais e estaduais de prevenção à tortura da América Latina abaixo assinados lamentam profundamente a decisão tomada pelo Poder Executivo Federal do Brasil que atenta contra a proteção dos direitos das pessoas privadas de liberdade no país; manifestam sua solidariedade com os membros do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura do Brasil pelos sérios obstáculos que enfrentam para poder cumprir com suas atribuições legais, e instam as autoridades brasileiras a suspender a medida que extinguiu os cargos destinados a este órgão de proteção dos direitos humanos, respeitando os compromissos assumidos através de tratados internacionais.
- Comité Nacional para la Prevención de la Tortura y Otros Tratos o Penas Crueles, Inhumanos o Degradantes (CNPT) de Argentina
- Servicio para la Prevención de la Tortura (SEPRET), Mecanismo Nacional de Prevención de Bolivia
- Mecanismo Nacional de Prevención de la Tortura de Costa Rica
- Mecanismo de Prevención de la Tortura y Tratos Crueles y Degradantes de Ecuador
- Mecanismo Nacional de Prevención de la Tortura de Guatemala
- Comité Nacional de Prevención Contra la Tortura y Otros Tratos Crueles, Inhumanos y Degradantes (MNP-CONAPREV) de Honduras
- Mecanismo Nacional de Prevención de la Tortura de México
- Mecanismo Nacional Para la Prevención de la Tortura de Panamá
- Mecanismo Nacional de Prevención de la Tortura (MNP) de Paraguay
- Mecanismo Nacional de Prevención de la Tortura de Perú
- Mecanismo Nacional de Prevención de la Tortura de Uruguay
- Mecanismo para la Prevención de la Tortura de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina
- Comisión Provincial de Prevención de la Tortura de la Provincia de Mendoza, Argentina
- Comisión Provincial de Prevención de la Tortura (CPPT) de la Provincia de Misiones, Argentina
- Comité Provincial para la Prevención de la Tortura y Otros Tratos o Penas Crueles, Inhumanos o Degradantes de la Provincia de Salta, Argentina
- Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Estado da Paraíba, Brasil
- Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Estado de Pernambuco, Brasil
- Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
- Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Estado de Rondônia, Brasil
Para mais informações, entre em contato com Sylvia Dias, representante da APT no Brasil (sdias@apt.ch, + 55 21 98145 4650)