A mais alta Corte do Brasil emitiu uma decisão unânime em apoio ao Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), determinando a inconstitucionalidade do Decreto Presidencial de 2019 que havia esvaziado a estrutura do órgão de inspeção e exonerado seus membros.
A decisão histórica do STF se dá após dois anos de esforços intensos de incidência e mobilização por parte da APT e entidades parceiras buscando a revogação do Decreto que extinguiu os cargos dos peritos e peritas do MNPCT e estabeleceu o caráter voluntário para o exercício desta função.
Em sua decisão, a Suprema Corte declarou que "a criação do MNPCT é resultado de compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, cujo cumprimento demanda que o país não apenas instale, mas conceda condições financeiras, administrativas e logísticas para que o órgão exerça a função de inspecionar unidades de privação de liberdade e expedir recomendações ao Poder Público visando evitar e punir a prática da tortura.”
O Ministro Dias Toffoli também destacou no seu voto que as atribuições dos peritos do MNPCT comporta alto risco pessoal, "considerando que o trabalho consiste na inspeção de unidades de privação de liberdade, especialmente estabelecimentos penais, que, como regra, têm estruturas físicas precárias, concentram mais pessoas do que suporta a capacidade do local, encontram-se sob o controle de facções criminosas e estão diuturnamente na iminência de rebeliões violentas.”
A decisão da Suprema Corte do país se deu após uma visita do Subcomitê da ONU para a Prevenção da Tortura (SPT) ao Brasil em fevereiro de 2022 . A delegação de três membros do SPT realizou uma série de reuniões com altas autoridades durante as quais instaram as autoridades brasileiras a tomar medidas em apoio ao MNPCT e em consonância com as obrigações internacionais do país. A delegação do SPT também se reuniu com ministros do STF.
Saudamos esta decisão unânime da mais alta corte do país l que impede o desmantelamento do MNPCT mecanismo nacional de prevenção à tortura do país
Suzanne Jabbour, Presidente do SPT
A APT e parceiros nacionais apresentaram informações ao SPT sobre a situação preocupante no Brasil antes de sua sessão de novembro de 2021, apelando a que o órgão de prevenção à tortura da ONU realizasse uma visita urgente ao país.
Isto foi parte de uma forte campanha de advocacy mobilizada pela APT e seus parceiros, que incluiu uma audiência sobre o assunto perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, intervenções em ações judiciais , e incidência no Congresso visando a aprovação de um Projeto de Decreto Legislativo para suspender os efeitos do Decreto Presidencial.
"Após mais de dois anos de incerteza sobre o destino do MNPCT, a decisão da mais alta instância do poder judiciário brasileiro proporciona um freio, há muito esperado, contra retrocessos sistemáticos nas políticas públicas de prevenção da tortura no país. A Corte é firme ao afirmar que a proibição absoluta da tortura requer uma conduta positiva do Estado na implementação de políticas públicas eficazes para sua prevenção", disse a Secretária Geral da APT, Barbara Bernath.
A decisão do STF também fornece uma interpretação da legislação fundadora do MNPCT (Lei 12.847/2013), declarando que a intenção era prever peritos atuando em tempo integral e com remuneração. A decisão também considerou que o Presidente havia excedido seus poderes regulatórios, já que, , na prática, o Decreto desmantelou uma política pública baseada na Constituição e nos tratados internacionais assinados pelo Brasil.
Além disso, a Corte estabeleceu que as atribuições legais do MNPCT demandam tempo e dedicação para serem exercidas adequadamente, uma vez que o trabalho do MNPCT requer planejamento para realizar missões em várias cidades e estados, processar dados e monitorar recomendações.
"A Corte apontou como, coletivamente, organizações internacionais, organizações da sociedade civil nacionais, associações legais e instituições públicas se opuseram fortemente às medidas impostas pelo Decreto Presidencial. Esta mobilização nacional e internacional foi um fator chave para garantir uma decisão favorável e oportuna da Suprema Corte", disse Sylvia Dias, assessora jurídica sênior da APT e representante nacional no Brasil.
"A decisão também faz uma afirmação poderosa: que a prevenção da tortura é uma responsabilidade do Estado. Ela transcende as ideologias e as visões de mundo porque tem seu fundamento na Constituição. Quaisquer ataques ou reveses - mesmo aqueles disfarçados de 'atos administrativos' - são inaceitáveis e contrários ao espírito da Constituição do Brasil", acrescentou a Sra. Dias.