O Subcomitê da ONU para a Prevenção da Tortura (SPT) chegou ao Brasil nesta segunda-feira - 31 de janeiro de 2022 - para diálogos com representantes do Executivo, Legislativo e Judiciário sobre o sistema de prevenção à tortura e outros maus-tratos.
Esta é a terceira vez que o SPT realiza uma missão ao país. O Brasil se torna assim o país visitado o maior número de vezes por este órgão de prevenção à tortura da ONU.
Após as visitas de 2011 e 2015, o SPT chega agora ao país para avaliar as políticas em vigor para prevenir a tortura e os maus-tratos no Brasil e para averiguar as medidas que inviabilizaram a atuação do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT).
Em 2019, o Presidente da República emitiu o Decreto 9.831 que retirou o orçamento para arcar com os recursos humanos do MNPCT e exonerou todos os peritos e peritas. Embora um Decreto Presidencial não extingua formalmente um órgão estabelecido por lei, na prática o Decreto esvazia o órgão de inspeção e inviabiliza o cumprimento de suas atribuições.
Desde sua criação em 2015, o MNPCT inspecionou as condições de detenção em mais de 200 locais de privação de liberdade em 25 estados do Brasil. Todas as suas visitas de monitoramento, seus achados e recomendações são documentados em relatórios que são enviados às autoridades e publicados amplamante.
"O MNPCT ajudou a colocar em evidência graves violações dos direitos humanos em prisões, hospitais psiquiátricos e outros locais de privação de liberdade no país", disse Sylvia Dias, assessora jurídica sênior da APT e representante no Brasil.
Ainda em 2019, apenas alguns meses após a emissão do Decreto Presidencial, o SPT publicou um parecer recomendando às autoridades brasileiras a imediata revogação do Decreto como maneira de garantir o funcionamento efetivo e independente do sistema brasileiro de prevenção à tortura.
"Entretanto, o Brasil não deu uma resposta satisfatória às preocupações pleiteadas pelo SPT", afirmou Sylvia Dias.
"Embora a justiça federal tenha emitido uma liminar suspendendo temporariamente os efeitos do Decreto, isto não oferece uma solução permanente e não garante o funcionamento independente do MNPCT", acrescentou ela.
Um projeto de decreto legislativo tramita no Congresso. Caso aprovado, suspenderá os efeitos do Decreto presidencial. Uma ação de descumprimento de preceito fundamental também está sendo analisada pelo Supremo Tribunal Federal.
É um assunto urgente. Sem o apoio financeiro e administrativo das autoridades, o MNPCT, que deve visitar e monitorar prisões e outras unidades de privação de liberdade com periodicidade, dificilmente se manterá operacional.
Suzanne Jabbour, chefe da delegação e presidente do SPT
Sylvia Dias afirma que o SPT chega ao Brasil em um momento crítico para apoiar os esforços para derrubar o Decreto e fortalecer o MNPCT e o sistema nacional de prevenção à tortura.
"É a primeira vez que o SPT realizará uma missão a um país concentrando-se em diálogos com altas autoridades dos três poderes do Estado", disse ela. "Em reunião com as autoridades, o SPT pode lembrá-las dos compromissos do Brasil no âmbito do Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura".
"A abordagem do SPT de manter conversas diretas e firmes com as autoridades é uma mudança bem-vinda de suas práticas que tem o potencial de contribuir para um maior accountability dos Estados pelas ações que adotam, especialmente aqueles Estados que não estão cumprindo com as obrigações estipuladas no Protocolo Facultativo", acrescentou a Sra. Dias.
A delegação do SPT também se reunirá com organizações da sociedade civil e associações de familiares de pessoas privadas de liberdade. É crucial que suas vozes sejam ouvidas, já que as recentes mudanças nas políticas governamentais restringiram a participação social em conselhos e colegiados e nos debates públicos relacionados à prevenção da tortura.
O Brasil tem atualmente a terceira maior população carcerária do mundo, com mais de 800.000 pessoas privadas de liberdade. A superlotação permeia todo o sistema penitenciário e as condições de detenção no Brasil há muito foram classificadas como cruéis, desumanas e degradantes,
A pandemia da COVID-19 só piorou as condições de detenção. A falta de acesso à água, cuidados com a saúde, ar fresco e produtos higiênicos impossibilitou a implementação de qualquer um dos protocolos sanitários recomendados para evitar a propagação da infecção em ambientes fechados.
Além disso, as pessoas privadas de liberdade foram submetidas a longos períodos de isolamento e abandono durante a pandemia, já que as visitas às unidades foram suspensas.
"Em alguns estados, familiares ficaram impedidos de visitar por mais de sete meses", disse a Sra. Dias. "As organizações que prestam apoio emocional, educacional, religioso ou humanitário também foram privadas de acesso por um longo período de tempo".
"Tais restrições evidenciam o papel chave dos órgãos de supervisão independentes que contam com atribuição por força de lei para desafiar estas restrições e assegurar a transparência nos locais de privação de liberdade".
O Brasil ainda está em mora nos esforços para estabelecer um genuíno sistema nacional de prevenção da tortura. Existem apenas quatro mecanismos em âmbito estadual, e nenhum programa nacional para fortalecer ou incentivar os mecanismos estaduais foi estabelecido, apesar das recomendações expressas do SPT neste sentido no relatório de sua visita de 2015.
"Esperamos que esta vinda do SPT ao país chame a atenção para a necessidade urgente de apoiar e fortalecer o MNPCT do Brasil e todo o sistema nacional de prevenção da tortura".